20 October 2010

“And the leaves that are green turn to brown”

Hoje apercebi-me, uma vez mais, que o tempo não espera. Vai escorregando por nós quando o tentamos prender nos nossos braços, imortalizá-lo, sufocá-lo e ficar com ele, só mais um bocadinho. Ele segue alheio à nossa presença, alienado de tudo quanto existe e é efémero. Triste somos os que vivemos sem saber que um dia, tudo tem um fim. Ou sejamos talvez felizes na ignorância da ceifeira? Hoje estou triste porque sinto o momento a deslizar, de mansinho. A vida é muito mais do que simples lamentos. A vida tem de ser sacudida, remexida, pisada com as botas, sentida com o corpo, gritada com a alma, lavada pelo mar e embalada pelo vento.



19 October 2010

O dia que amanhece

Grita.

Solta-te.

Canta no prelúdio da noite que vem de mansinho.

Arrasta-te como quem não quer.

Morde, revolta-te e cai devagarinho, em repouso.

Desloca-te descalça no basalto molhado, reflectindo a tua sombra. Sente o embalo, fecha os olhos.

Os cabelos escorrem água. Tudo está preto. Acalma e baila. Flui na melodia da noite. A chuva cai e riste-te a olhar o céu.

Nas montanhas abate-se o céu escuro, carregado de saudade da terra longe. Abraça essa alegria no meio da profunda tristeza da solidão.

Rende-te de olhos fechados, imaginando o belo, naquele dia frio. Puxa a gola recolhida, calça as luvas e abre a porta, sem olhar para trás. Deixa a porta de vigas azuis, o soalho ainda a cheirar a verniz e entrega-te ao dia cinzento. Larga-te do bafo da cama, desse corpo impessoal, das pernas embrulhadas nos lençóis ainda quentes e mergulha no dia que nasce ressacado, vazio e com cheiro a café dissimulado pelo nevoeiro. Entrega-te à vida esquecendo o momento fútil, de alegria momentânea, que nunca mais voltará. Não deixes mudo o som que trazes contigo.

9 October 2010

Viagem à chuva

A viagem alucinante do pensamento é subtil. Sentem-se os degraus de metal a arrancar devagarinho na sua subida. O xadrez das meias confunde-se com as tiras de metal dos degraus e continuam por ali acima. Muito ao longe ouve-se o acordeão do cego que geme. O som vai aumentando à medida que os degraus se somem no túnel e as mão tornam-se mais enérgicas e o som mais choroso, nos olhos que não vêem. As lágrimas secas reflectem o cabelo puxado atrás, a saia justa, a gabardina a pingar e a mão estendida. Não há mãos que apazigúem o som que não pára, mas agora corre bem melodioso, confundindo-se com a chuva. Da luz vem o cheiro a Outono, o papel amarelo embrulhado e as mãos polidas de cinzento com calos. “Hei, hei, estás aí? Hum? Sim, vais entrar agora!”